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O Superlativo e a Cólera

  • Foto do escritor: jeffpavanin
    jeffpavanin
  • 26 de nov. de 2015
  • 2 min de leitura

Estava eu certo de que alguma coisa iria acontecer. Não era possível que minha vida estivesse toda correta, com meus feitos gerando resultados positivos e elogiados. Meu chefe me adorava, pensava em retribuir meus serviços com uma promoção gorda ao final do semestre. Todos os meus colegas de trabalho gostariam de ser funcionários tão bons e eficientes quanto eu era, me diziam. Charles, o garoto jornaleiro, fazia questão de sinalizar – toda vez que me entregava o Herald – que um dia seria tão atraente e bem sucedido como eu. Marina, a redatora, espalhava para todo o escritório que a mulher que se casasse comigo seria uma sortuda do cacete, pois eu proveria uma vida boa e repleta de amor e carinho.


De acordo com o mundo, eu era a simpatia encarnada.


Do meu bolso escapavam notas altas e verdes. A carteira permanecia gorda. Eu não poderia reclamar das minhas escapadas aos ocasos de sábado; encontrava-me livre para gastar as proezas com os prazeres dos vícios. Também não poderia reclamar dos domingos passados a bordo de Cassandra, meu iate recém adquirido. Virtudes não me faltavam e eu era recompensado por elas. Porém, agora que eu transcendia a plenitude, com o mais puro ar inundando-me os pulmões, eu olhava para a longínqua costa a bombordo e tinha a absoluta certeza de que alguma coisa iria acontecer.


Meu celular tocou sua música alegre e fez a lycra da bermuda sacudir. Era Marina. Ligou-me para avisar de que o chefe esperava aquele relatório em sua mesa logo no amanhecer do dia seguinte. Tal relatório estava pronto na escrivaninha que ladeava a cama do quarto logo abaixo de meus pés. Mandaria alguém vir buscar e enviar para o chefe ainda hoje, dissera ela. Dei um gole no cava espanhol que me deleitava as papilas e esperei. Esperei até que chegasse o motoboy que levaria o bloco de folhas digitadas até a agência, onde meu chefe esperava por mais um bom resultado de meu trabalho.


Rodeado com o prazer daquela tarde de domingo, levei o Cassandra de volta à costa. Passaram-se poucos minutos até que os pneus da motocicleta chegassem arranhando a madeira do cais. Escutando a buzina, eu observei aquele que chegava. O motoboy tirou o capacete com as mãos enluvadas em couro e deixou que o sol iluminasse sua face rosada. Seus óculos protegiam os olhos da luminosidade da costa, mas retirou-os para encarar-me. Era verde seu olhar. Observava-me com um sorriso estampado naquela face odiosa de Apolo. Apesar da roupagem de um motociclista, era perceptível o volume dos músculos que rompiam por baixo do tecido.


“Marina me mandou para apanhar o relatório”, disse.


E foi nesse momento que percebi o quão fodido eu me encontrava.


Nutria sentimentos pelo sobrinho de meu chefe.

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